A intersecção do machismo e do racismo no mundo dos videojogos

O domínio da tecnologia, em especial o mundo dos jogos de vídeo, regista uma presença crescente de mulheres. No entanto, dado que este domínio é predominantemente controlado por homens brancos, é necessário proteger contra as múltiplas formas de violência que permeiam o mundo em linha. Quando pensamos nas mulheres negras, esta proteção deve ir além da misoginia e do machismo para as proteger do flagelo do racismo.

A luta das mulheres no ciberactivismo não é, de modo algum, um fenómeno recente. Voltemos a 1978, em Los Angeles, quando teve lugar um confronto regional do jogo de tiros pioneiro, Space Invaders. A roubar as atenções dos seus concorrentes foi Rebecca Heineman, uma jogadora que acumulou uns impressionantes 88.000 pontos, o dobro da sua rival mais próxima. A questão é: será que fizemos progressos suficientes desde então?

A pontuação foi tão astronómica que, para não desmoralizar os outros concorrentes, os organizadores do torneio mantiveram-na em segredo até ao fim. Ao revelar a sua pontuação, perguntou casualmente:“É uma boa pontuação? A vitória colocou o nome de Rebecca na história como a primeira pessoa a ganhar um campeonato de eSports nos Estados Unidos.

A importância de atribuir um título tão prestigiante a uma mulher transgénero não pode ser subestimada. Sublinhou o valor da presença feminina nos jogos de vídeo. Com a sua vitória, Rebecca Heineman abriu caminho para as gerações de jogadoras que se seguiram, contribuindo para a criação de mais de 200 jogos.

No entanto, apesar da visibilidade conquistada, o percurso das jogadoras está longe de ser convencional. Os obstáculos continuam a ser numerosos e a falta de encorajamento e de representação continua a desencorajar aqueles que escolheram mergulhar neste nicho altamente exclusivo.

“As dificuldades vão desde o combate a narrativas que apresentam mulheres como personagens, protagonistas estereotipadas, até a busca pela construção de um ambiente seguro, longe de assédios, insultos e discriminações”, explica Gabriela Gonçalves, coordenadora de formação audiovisual do projeto “Empoderamento e Tecnologia: Jovens Mulheres Negras no Audiovisual”.

O ciberactivismo é necessário contra o racismo

Uma investigação realizada no Reino Unido revelou dados alarmantes sobre a saúde mental das jogadoras. A Sky Broadband entrevistou 4000 mulheres para saber como se sentem em relação aos jogos em linha e descobriu que 1960 (49%) foram vítimas de insultos ou assédio enquanto jogavam ou transmitiam jogos de vídeo na Internet. No caso das mulheres com idades compreendidas entre os 18 e os 24 anos, a percentagem sobe para 75% (3 000).

Em relação às jogadoras que afirmaram ter sido vítimas de abusos, verificou-se que 1568 (80%) receberam mensagens e comentários de carácter sexual e que 30% – o que representa um número de 588 mulheres – foram vítimas de conteúdos que preconizavam a violência. Outra estatística alarmante é o facto de um em cada 10 jogadores ter considerado o suicídio após insultos.

A investigação revelou também a opinião dos jogadores sobre a forma como os jogos em linha se podem tornar um ambiente desagradável para as mulheres. Pouco mais de metade dos participantes (51%) responderam que já tinham testemunhado um streamer a ser assediado em linha.

 

“À medida que a tecnologia começa a se tornar mais digital, o ciberativismo se torna necessário. Há uma urgência de que as mulheres negras se vejam como parte do ciberativismo para pensar na sua segurança e nas suas formas de agir quando esses dispositivos tecnológicos se tornam muito presentes nas nossas vidas”, sublinha a codiretora executiva do Olabi, Silvana Bahia.

Silvana explica que, especialmente para aqueles cujo trabalho é impactado pela comunicação – como as mulheres negras gamers -, há um “chamado”, ainda que involuntário, para o ciberativismo. A chegada e o acesso das pessoas aos smartphones em meados de 2013 marca este período de abertura, diz.

Compreender os desafios enfrentados pelas mulheres negras na comunidade dos videojogos

O mundo dos videojogos, uma rede intrincada que ultrapassa fronteiras, é uma plataforma incrível para o escapismo, a criatividade e a ligação social. No entanto, por detrás das suas aparências brilhantes, escondem-se as sombras da desigualdade, com o racismo e o sexismo na linha da frente. Este problema é particularmente significativo para as mulheres negras, que se encontram na intersecção destas forças opressivas.

Compreender os desafios enfrentados pelas mulheres negras na comunidade dos videojogos requer uma exploração das camadas profundas de preconceito que se manifestam frequentemente de várias formas. Desde insultos racistas e comentários misóginos até à falta de representação nos jogos, estes problemas criam um ambiente opressivo que está longe da promessa de diversão e camaradagem que os jogos de vídeo ostensivamente oferecem.

O desconforto dos insultos racistas e sexistas

Os jogos de vídeo em linha são uma faca de dois gumes. Ao mesmo tempo que proporcionam uma plataforma de interação, também permitem que jogadores anónimos lancem insultos racistas e de género sem receio de consequências imediatas. Um número significativo de jogadoras negras enfrenta estes insultos, sendo as suas experiências de jogo frequentemente marcadas por insultos racistas, comentários sexistas e até ameaças. Não é irónico que uma atividade destinada ao lazer e ao entretenimento possa rapidamente tornar-se uma plataforma de ódio?

Racismo e discriminação racial: a falta de mulheres negras nos Jogos

A representação nos meios de comunicação social tem sido um problema persistente, e a indústria dos videojogos não é exceção. É raro encontrar jogos com personagens femininas negras fortes como protagonistas. A falta de representação reforça a mensagem de que estes

não se destinam a mulheres negras e perpetuam inadvertidamente estereótipos nocivos. O que é que isto diz sobre a nossa sociedade, onde uma parte significativa da nossa população é efetivamente invisível numa das formas mais populares de entretenimento?

O estigma racista associado às jogadoras

O sexismo nos jogos de vídeo não é um fenómeno novo. As jogadoras foram durante muito tempo estigmatizadas, sendo frequentemente consideradas menos competentes do que os seus homólogos masculinos, independentemente do seu nível de habilidade ou experiência. Este preconceito é ainda mais profundo para as mulheres negras, que estão frequentemente sujeitas a suposições estereotipadas sobre as suas capacidades e interesses. Podemos realmente afirmar que somos uma sociedade que valoriza a justiça e a igualdade quando os nossos espaços digitais reflectem os próprios sistemas de opressão que procuramos desmantelar? É tempo de abordar a intersecção do sexismo e do racismo no mundo dos jogos de vídeo, o que exige a participação ativa das mulheres negras no ciberactivismo. Embora a comunidade de jogos possa ser um terreno fértil para a discriminação, também pode ser uma plataforma para a mudança, um espaço onde as mulheres negras podem afirmar a sua presença, desafiar o status quo e inspirar uma cultura mais inclusiva.

Desmantelamento de estruturas opressivas: um apelo à ação para jogadores e programadores

A mudança também tem de vir do topo. Há uma necessidade urgente de regulamentos e políticas mais rigorosos na indústria dos jogos de vídeo para evitar o assédio e a discriminação. A defesa das mulheres negras nos videojogos deve incluir a promoção de políticas mais inclusivas, tais como sistemas de penalização mais rigorosos para o discurso de ódio e a inclusão de diversas vozes no desenvolvimento de jogos e nos processos de tomada de decisão.

Medidas proactivas dos criadores de jogos: criar um ambiente mais inclusivo e diversificado

Embora a indústria dos videojogos tenha crescido ao longo dos anos, continua a ser um espaço onde persistem barreiras e floresce a discriminação intersectorial. O machismo e o racismo, especialmente dirigidos às mulheres negras, continuam a afetar este sector. No entanto, face a estes desafios, alguns criadores de jogos estão a tomar medidas proactivas para promover a inclusão e a diversidade.

Estes criadores reconhecem o potencial dos jogos como plataforma para a mudança social. De facto, assumem a responsabilidade de criar espaços digitais inclusivos. Compreendem que a indústria dos videojogos não é apenas entretenimento, mas também um reflexo dos valores e atitudes da nossa sociedade. Ao promoverem a diversidade e a inclusão nos seus jogos, enviam uma mensagem forte contra o sexismo e o racismo, encorajando uma comunidade de jogadores mais respeitadora e recetiva.

Como se proteger

Apesar de representarem 51,5% dos jogadores brasileiros em 2022, as mulheres continuam a ser alvo de assédio e comentários depreciativos durante os jogos. O medo afasta-os frequentemente dos jogos considerados “tóxicos” ou obriga-os a criar os seus próprios mecanismos de segurança.

O receio de ser repreendida por não compreender totalmente a mecânica de um jogo desencoraja muitas vezes a jogadora Joyce Pereira de começar a jogar muitos jogos em linha.

Estaria eu mais inclinada a aceitar estes desafios se tivesse uma equipa de apoio de mulheres para partilhar as minhas experiências – um “quilombo” de jogos, talvez?”, reflecte Pereira.

Uma estatística alarmante foi revelada num estudo de 2021 realizado pela Reach3 Insights em colaboração com a Lenovo: 59% das jogadoras escondem o seu género durante os jogos para evitar o assédio.

Silvana Bahia destaca as estratégias que as mulheres negras podem utilizar para se protegerem no mundo virtual, especialmente no mundo dos videojogos, permitindo-lhes seguir a sua paixão sem represálias.

Uma das estratégias que cita é o“Guia de Aprendizagem – Ciberactivismo e Cuidados Digitais“, um recurso desenvolvido pela PretaLab em colaboração com a Black Women Decide.

Redefinir a cultura dos videojogos: como podemos tornar a indústria mais inclusiva e diversificada

A indústria dos videojogos é vista como um campo dominado por homens brancos, marginalizando essencialmente as mulheres negras. A inclusão e a diversidade não acontecem por si só; requerem um esforço consciente, compreensão e, acima de tudo, representação. As mulheres negras têm estado na intersecção do machismo e do racismo, navegando num mar de preconceitos, estereótipos e discriminação. Então, como podemos todos contribuir para tornar a indústria dos videojogos mais inclusiva e diversificada?

O poder da representação

Questões de representação. Quando as mulheres negras se vêem nos jogos, não como objectos hipersexualizados ou personagens secundárias, mas como heroínas fortes e independentes, isso pode ter um impacto profundo. Quebra os limites estreitos dos estereótipos e abre caminho à diversidade. Mas quem é que vai criar estas personagens?

Promover a diversidade no desenvolvimento de jogos

As pessoas criam o que sabem. Por conseguinte, quanto mais diversificada for a equipa de criadores de jogos, mais diversificadas serão as personagens e os enredos. Mas como é que podemos encorajar mais mulheres negras a tornarem-se criadoras de jogos?

  • Formação: A exposição precoce às ciências informáticas e ao desenvolvimento de jogos pode despertar o interesse e a paixão.
  • Mentoria: As criadoras de jogos negras de sucesso podem ser mentoras e inspirar a próxima geração.
  • Oportunidades: Criar mais programas de bolsas de estudo e oportunidades de emprego para mulheres negras na indústria dos videojogos.
  • Ciberactivismo: uma ferramenta para a mudança

Uma vez que as mulheres negras fazem parte da comunidade de jogadores, é imperativo que não enfrentem o mesmo macismo e racismo. É aqui que entra o ciberactivismo. É um instrumento nas mãos dos oprimidos, uma voz de resistência contra a discriminação. Mas como é que isso funciona?

“O ciberactivismo não é apenas uma questão de sensibilização em linha, mas também de a traduzir em acções no mundo real”.

As jogadoras negras podem utilizar as suas plataformas para chamar a atenção para casos de preconceito e discriminação, criando um efeito de onda que pode levar a uma mudança em todo o sector. Podem também formar alianças com outros grupos marginalizados da comunidade do jogo para ampliar a sua voz e influência.

Não é apenas responsabilidade das mulheres negras lutar contra o sexismo e o racismo na indústria dos videojogos, mas sim uma responsabilidade colectiva que todos partilhamos. Ao considerar estes passos, podemos redefinir a cultura dos videojogos e criar um espaço mais inclusivo e diversificado para todos.

video juegos mujeres negras 1 - Tokenismo nos videojogos: o fardo da representação das mulheres negras