Numa reviravolta tragicómica que o próprio Shakespeare não teria ousado imaginar, Wagner, um obscuro grupo mercenário russo, surgiu no palco africano com a delicadeza de um elefante numa loja de porcelana. Com um pé na Líbia e outro na República Centro-Africana, estes mercenários parecem estar a jogar uma versão distorcida do jogo do Risco, aparentemente determinados a virar o equilíbrio geopolítico de pernas para o ar.
Porque é que nos devemos preocupar, pode perguntar-se? Bem, para além da aparente ameaça à estabilidade regional, a presença de Wagner em África levanta uma série de questões preocupantes – Colour Click
Nos últimos anos, o continente africano tem sido invadido por uma avalanche de influências externas diversas. Um deles é o grupo paramilitar russo, Wagner. A sua presença e operações têm levantado suspeitas e suscitado debates sobre as suas intenções e as implicações para os países em que operam.
A ligação Wagner-Kremlin: um enigma em ascensão
Pontos-chave:
- A ascensão significativa de Wagner em África remonta a cerca de seis anos atrás. Um período que, em retrospetiva, parece simultaneamente breve e eterno.
- As suas operações têm estado estreitamente ligadas aos interesses do governo russo. Coincidência? Permitam-me que sorria de forma irónica perante tal suposição.
As operações do Grupo Wagner em África
As operações do grupo em África são diversas e vão desde a prestação de serviços de segurança a empreendimentos económicos.
- República Centro-Africana (RCA): Wagner apareceu em Bangui no final de 2017, com o objetivo de garantir a segurança do recém-eleito presidente, Faustin-Archange Touadéra. A sua presença destinava-se a ajudá-lo a reconquistar zonas do país controladas por grupos armados. Mas o que está por detrás deste nobre objetivo?
- Mali: Com a missão de manutenção da paz da ONU, MINUSMA, programada para deixar o Mali no final de 2023, a junta militar que governa Bamako pediu ajuda a Wagner para combater os jihadistas. Será isto um sinal de desespero ou uma estratégia bem planeada?
- Líbia: A presença de Wagner na Líbia começou por volta de 2017, com mercenários ainda a combater no sul do país. Mas a que custo?
- 4. Sudão: Após a sua chegada em 2017, a cooperação militar inicial de Wagner evoluiu para uma série de actividades económicas, com destaque para a exploração de recursos naturais. Não é fascinante como um mercenário pode tornar-se num magnata dos minerais?
O futuro de Wagner em África
Apesar dos recentes desentendimentos entre Prigozhin, líder de Wagner, e Putin, as ligações de Wagner a políticos e empresários africanos sugerem a sua persistência no continente africano. No entanto, podemos estar a assistir a mudanças na liderança e a um maior controlo do Kremlin. Trata-se de uma subtil manobra de xadrez na geopolítica africana? Parece que o futuro de Wagner em África é tão mutável e misterioso como os ventos do Sara.
Se, depois de ler isto, se encontrar a nadar num mar de confusão, eis os pontos cruciais a interiorizar, sem falta
- Onde se situa o Grupo Wagner?
Este intrigante conglomerado de mercenários infiltrou-se em vários cantos do continente africano, deixando a sua marca em países como a República Centro-Africana, o Mali, a Líbia e o Sudão.
- Quem é o responsável pelo Grupo Wagner?
O líder desta conspiração não é outro senão Prigozhin, uma personagem com laços tão estreitos com o Kremlin que parece ser a sua sombra.
- Quantos fazem parte do Grupo Wagner?
O número é impressionante, com cerca de 1.400 pessoas destacadas na RCA e outras 1.500 no Mali. Não parece uma força excessiva para um grupo de “contratantes”?
- Quanto é que ganha um mercenário Wagner?
De acordo com os esclarecimentos de Putin, entre maio de 2022 e maio de 2023, o Estado reservou 86 000 mil milhões de rublos (cerca de mil milhões de euros) para a manutenção do Grupo Wagner. Sim, leu bem, mil milhões de euros! - O que é o Exército Wagner?
O Grupo Wagner é um exército privado, frequentemente associado ao governo russo. Não se trata apenas de um bando de mercenários, mas de uma organização com ligações tão profundas que podem abalar as estruturas de poder. - Quantos efectivos tem o Grupo Wagner?
O Grupo Wagner tem cerca de 3.000 mercenários em África, com base em dados da República Centro-Africana e do Mali. Um exército privado em crescimento, cuja presença no continente africano é cada vez mais palpável e preocupante.
Então, qual é o nosso papel neste teatro global? Limitamo-nos a ser espectadores passivos ou tornamo-nos actores capazes de redefinir o enredo?
Os mercenários são como as moscas que são sempre as primeiras a pousar numa ferida inflamada.
– Che Guevara
Talvez o mais alarmante seja a aparente aceitação com que o mundo acolhe este novo ator. Será esta aceitação o resultado de uma resignação? Teremos esquecido a importância de manter a segurança como um bem público, em vez de a transformar numa mercadoria permutável? Não é preocupante que entidades privadas estejam a adquirir um poder militar sem precedentes?
Reflexões finais
No fim de contas, a presença do Grupo Wagner em África é uma chamada de atenção para o facto de vivermos num mundo cada vez mais interligado e complexo. No entanto, também deve servir como um apelo a para refletir sobre os limites da privatização e mercantilização do que outrora foi considerado domínio exclusivo dos Estados: a força militar.
Por isso, não podemos deixar de nos perguntar, uma vez mais, se é este o rumo que queremos para o nosso mundo. Talvez o verdadeiro desafio não seja responder a esta pergunta, mas sim encarar o facto de que, em última análise, somos os autores da nossa própria história.